top of page

“Portugal ainda tem uma mentalidade muito pequenina”

  • whatsnextblog
  • 6 de mar. de 2021
  • 5 min de leitura

Tem 24 anos e uma vida já repleta de experiências e conhecimento. Viveu desde os 6 anos na Escócia e só no ano passado decidiu regressar a Portugal para tirar o Mestrado em Psicologia Forense. Marta Lopes é a nossa convidada desta semana, numa entrevista sobre preconceito e o que é ser Mulher.

Olá Marta, muito obrigada por estares disponível para esta entrevista! Como sabes estamos perto do Dia da Mulher e é sobre ser mulher que queremos conversar contigo.


Primeiro, gostávamos que nos falasses um bocadinho sobre ti e o que gostas de fazer.

ML: Nasci em Santarém a 20 de novembro de 1996. Quando tinha 6 anos os meus pais emigraram para a Escócia, e eu fui com eles. No ano passado decidi voltar a viver em Portugal, porque queria tirar cá o meu mestrado em Psicologia Forense. Adoro viajar e conhecer culturas novas, gosto de ver séries e documentários sobre crimes e perturbações mentais, de caminhar e ouvir música… o normal.


Nasceste em Portugal mas passaste praticamente a tua vida toda na Escócia. Tens alguma recordação do tempo em que eras pequenina cá em Portugal?

ML: As únicas recordações que eu tenho, antes de ir para a Escócia, é de ir para o infantário e de ir ao teatro da biblioteca, nada mais. Nem das pessoas, ou dos meus amiguinhos da altura eu me lembro (risos).


Mesmo estando a viver na Escócia a tua vida praticamente toda, quase 18 anos, vinhas muitas vezes cá?

ML: Sim, passava cá o verão com a minha tia e os meus primos. E vinha durante as alturas festivas, a Páscoa e o Natal, porque tinha cá parte da minha família.


Sentias que tinhas mais ligação com o estilo de vida português, visto que era aqui que passavas as épocas festivas mais importantes?

ML: Quando era pequena olhava para Portugal mais como umas férias, não me identificava muito com o estilo de vida português, porque eu tinha crescido numa sociedade diferente. Conforme fui crescendo, passei a vir cá mais vezes e fui-me habituando mais à cultura portuguesa. Neste momento, identifico-me muito mais com os portugueses do que com os escoceses.


És filha de pai Angolano e mãe Moçambicana. Infelizmente ainda vivemos num país um tanto ou quanto preconceituoso... Alguma vez sentiste algum tipo de preconceito quer em Portugal, quer na Escócia?

ML: Aqui em Portugal nunca senti isso, mas não quer dizer que não conheça pessoas que já tenham sentido na pele o racismo. Mas eu nunca fui alvo de nenhum tipo de comentários ou bocas, tive muita sorte. Nem na minha infância sofri bullying por causa do meu tom de pele. Mas, quando me mudei para a Escócia eu era das poucas pessoas de pele negra que frequentava a minha escola, ouvi alguns comentários, faziam-me perguntas, mas nada demais ou que me deixasse desconfortável ao ponto de eu sentir que estavam a ser preconceituosos para comigo, acho que era apenas curiosidade.

Com as notícias de alegada violência policial ou racismo no nosso país, sentiste medo quando quiseste mudar-te para Portugal?

ML: Como nunca senti preconceito em relação à minha cor de pele, não pensei nisso sequer, mas não quer dizer que não sinta os efeitos do preconceito. Apesar de eu nunca ter sofrido nenhum incidente, sinto medo da polícia, se eu for mandada parar fico em pânico, porque sinto que por causa da minha cor de pele podem julgar-me erradamente e mai.


Sabemos que apoias o movimento #blacklivesmatter. Tens medo que o que ocorreu na América possa acontecer cá?

ML: Ainda não passei tempo suficiente em Portugal para saber isso ao certo, e acho que nunca vamos ter a certeza de algo, porque o ser humano é imprevisível, mas acho que se acontecer não é a um nível tão excessivo. Mas tenho conhecimento que em certas partes de Portugal não é fácil ser-se parte da comunidade negra.


Sentes que o facto de ser mulher pode vir a ser mais um motivo para o preconceito? A nível pessoal ou na vida profissional?

ML: Sim, eu acho que é mais difícil ser-se mulher. Um dos aspetos que mais tenho receio que se torne uma pedra no meu caminho é o meu cabelo. Sei que ao verem uma afro podem achar piada e querer mexer, mas em termos profissionais, temo que me feche portas por não corresponder à imagem de mulher formal que é socialmente aceitável. O nosso cabelo não é aceite no âmbito profissional, é visto como desleixado e não cuidado, o que não corresponde cá a uma imagem de um profissional executivo, por exemplo.


Para ti, o que é ser mulher?

ML: Ser mulher é ser independente, ser conquistadora. É ainda uma luta constante para com os preconceitos que ainda sentimos. É demonstrar que somos tão capazes como os homens. Que conseguimos viver, ter um trabalho e sermos bem sucedidas, se trabalharmos e fizermos o que nos compete. Não objetivar as mulheres. Somos humanas e capazes de feitos tão grandiosos como os homens. Não sobrepor um sexo ao outro, mas ter sim igualdade de género!


Estás a estudar psicologia forense. Fizeste a licenciatura na Escócia mas agora estás a tirar o mestrado cá. O que é que te fez voltar a Portugal para estudar?

ML: Sempre tive intenção de voltar para Portugal. Nunca pensei que fosse tão cedo, sempre pensei que ia acabar os meus estudos na Escócia, mas o ano passado senti que precisava de uma mudança. Como eu queria vir trabalhar para cá, para me inscrever na Ordem dos Psicólogos era obrigatório ter mestrado. Se continuasse na Escócia ainda teria de estudar mais 5 anos, cá em Portugal se tudo correr bem, daqui a 2 anos sou Mestre em Psicologia Forense. Pesquisei, e pensei muito e decidi inscrever-me cá na universidade e consegui entrar. Foi uma mudança mais ou menos pensada e planeada.


Que sonhos e objetivos tens para ti, num futuro próximo?

ML: Quero mudar-me para Lisboa, começar a minha carreira, adorava trabalhar no Instituto de Medicina Legal. Gostava de me sentir realizada profissionalmente, é o mais importante. A nível pessoal, gostava de ter a minha família e viajar, que tanto sinto falta nesta altura (risos).


Tendo o gosto para viajar, achas que o facto de conheceres outras culturas te faz ter uma mente mais aberta em relação aos assuntos que são discutidos?

ML: Sem dúvida! Não é falar mal das pessoas que nunca conseguiram sair do seu país e ir conhecer o mundo. Mas tenho muita sorte em ter conseguido. Sinto que me deixou com uma mentalidade muito mais aberta em relação às outras culturas, conheci pessoas muito diferentes daquilo a que estou habituada, o que só me ajudou. Acho que Portugal não tem consciência do que se passa fora daqui. E que cada vez há menos interesse em saber-se o que se passa além fronteiras, porque quer queiramos ou não isso vai ter algum efeito cá. Acho que é muito importante sabermos o que se passa à nossa volta e não só o que nos afeta diretamente. É a maior diferença que vejo nas culturas que visitei e cá, Portugal ainda tem uma mentalidade muito pequenina.


Muito obrigada Marta! Foi um privilégio conhecer o teu testemunho e esperamos que possa ter ajudado outras mulheres que possam ter medo de ser alvo de preconceitos ou que possam, efetivamente sofrer qualquer tipo de preconceito.


Não se esqueçam de passar no Instagram da Marta para ficarem a conhecê- la ainda melhor e acompanhar o seu dia- a- dia: @martinhaa_96








What's next?

Comments


Partilhe a sua opinião

Obrigado pelo envio!

© 2020 por What's next blog. Criado com Wix.com

bottom of page