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"O amor deve permitir a clarificação e discussão de ideias e não o “fechar os olhos"

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  • 13 de fev. de 2021
  • 7 min de leitura

Amanhã comemora- se o dia dos namorados e o What's next não quis deixar passar essa data em vão. Desde o início do mês que vos temos vindo a dar algumas dicas de escapadinhas românticas e looks para este dia. Hoje o assunto é sério!

Convidámos uma Psicóloga para nos ajudar (a nós e a vocês) a perceber a questão das relações tóxicas: o que leva alguém a sujeitar-se a uma situação destas, como sair, meios para pedir ajuda, entre outras coisas.

Bom dia Dra. Marta Pamol, queremos começar esta entrevista por lhe agradecer a sua disponibilidade e esta oportunidade.

Como sabe, dia 14 de fevereiro é o dia dos namorados. Um dia associado ao amor, romantismo e tudo aquilo que engloba uma relação entre duas pessoas. No entanto, nem tudo é um mar de rosas e por vezes as relações amorosas que idealizamos tornam- se verdadeiros pesadelos...


Todos os dias lemos notícias relacionadas com a violência doméstica, violência no namoro...cada vez mais cedo os jovens começam a namorar e a envolver-se com outras pessoas. Considera que é essa inocência, que é característica da idade, que faz com que não se apercebam que estão numa relação tóxica?

MP: A adolescência é de facto uma fase do desenvolvimento em que os jovens têm que enfrentar diversas exigências no seu mundo interno mas também em relação ao meio circundante. É nesta fase que se treinam as primeiras relações amorosas e se enfrentam as primeiras dificuldades inerentes ao que é estar em relação com o outro. A inocência ou a diminuta experiência nessa esfera, aliada ao facto de se estar a desenvolver a própria noção de si, do outro e do mundo, poderá levar a que se experienciem dissabores nas relações amorosas. Contudo, aquilo que se tolera da parte do outro está também associado a padrões de comportamento que observamos e vivemos nas fases mais precoces do nosso desenvolvimento. Assim, se estas experiências se caraterizam por comportamentos de menor respeito por nós e pelos outros, de maior agressividade ou abuso, estão aumentadas as probabilidades de que venhamos a tolerar ou levar a cabo os mesmos comportamentos.


O que é que leva a que se deixem “embrulhar” numa relação que não lhes faz bem?

MP: Existem vários fatores que favorecem essa negligência do próprio bem estar nesta fase. A vontade de experienciar o desconhecido, a necessidade de se ser valorizado e aceite pelo outro e a maior instabilidade e intensidade das emoções na adolescência podem ser fatores comuns. Existem, porém, fatores individuais que, estando presentes, dificultam a capacidade dos jovens de se libertarem deste tipo de situações. Fala-se aqui da presença de uma inteligência emocional pouco investida (reconhecer, compreender, expressar e regular emoções), uma fraca noção da importância do autocuidado, do respeito e do amor próprio, dos limites e uma baixa capacidade de auto afirmação. Por outras palavras, se soubermos e formos incentivados a procurar o que nos faz bem e a desenvolver os recursos necessários para lá chegarmos, mais dificilmente nos envolvemos em relações que lesem o nosso bem estar, e vice-versa.


Já dizia o ditado que “o amor é cego” , considera, como psicóloga, que é de facto esse fator que faz com que tantas pessoas se sujeitem a este tipo de coisas? O facto de não verem os defeitos do companheiro é fulcral para que não vejam ou não acreditem naquilo que está à frente dos seus olhos?

MP: Diria que o amor é tão mais cego quanto menor for a abertura à crítica e a possibilidade de debate, discussão e comunicação. Isto é, por mais que a desvalorização dos sinais de alerta possa ocorrer numa fase inicial da relação, inevitavelmente, irão surgir divergências e pontos de discórdia onde a comunicação e a discussão são essenciais ao crescimento individual e conjunto. Se isto não ocorrer e se o amor for cego, provavelmente, alguém estará a condicionar o que sente e pensa, sendo isso uma limitação ao seu bem estar. O amor deve permitir a clarificação e discussão de ideias e não o “fechar os olhos". Ninguém cresce e vive feliz “de olhos fechados".


Quais os principais sinais de que estamos num relacionamento tóxico do qual temos que sair?

MP: Com frequência se abordam os sinais de alerta em relação ao comportamento do outro. Gostaria aqui de fazer um outro alerta: o principal fator protetor é estarmos conscientes acerca da nossa própria forma de estarmos nas relações, sejam elas de que tipo forem, e até na relação connosco mesmos. Esta autoconsciência permite prevenir que nos tornemos vítimas ou agressores, não só dos outros mas também de nós próprios. Desta forma devemos estar alerta se:

- temos dificuldades em compreender, reconhecer e lidar com o que sentimos;

- com frequência colocamos as nossas necessidades em último plano;

- responsabilizamos os outros pelo nosso bem estar e felicidade

- nos é difícil identificar, colocar e respeitar os nossos limites dos outros

- sentimos medo de nos expressarmos e afirmarmos perante o outro, por receio da perda, da rejeição e do abandono.

Estando estes ou alguns destes sinais, mais facilmente nos deixaremos envolver em relações ditas tóxicas, das quais será difícil sairmos. A ajuda de um profissional neste processo de autoconhecimento poderá ser muito útil.


Porque é que as pessoas (mulheres e homens, jovens ou adultos) consideram que é normal um estalo, uma bofetada, controlar os telemóveis do companheiro, proibir saídas com amigos, controlar maneiras de vestir e de estar, entre tantas outras coisas?

MP: A normalização de comportamentos abusivos pode ter vários motivos, entre eles os já largamente debatidos, mas ainda muito enraizados, fatores culturais e sociais acerca das relações. Por outro lado, de um ponto de vista micro, ao nível do indivíduo em si, podemos ter padrões familiares que se transmitem de geração em geração e que promovem essa normalização. Neste sentido, uma família com limites pouco definidos, com estilos parentais autoritários ou negligentes, fomentam o enraizar de padrões disfuncionais e abusivos como “normais". É assim essencial continuar a investigação acerca do que contribui para a formação de um perfil psicológico agressor, mas também para um perfil psicológico que incapacita e se torna vítima.


Para além do medo, que é o fator que a maior parte das pessoas associa a este tipo de situações, que outros condicionantes existem e que impedem as “vítimas” de sair destas relações?

MP: Neste tipo de situações são comuns os sentimentos de impotência, desamparo, desvalorização pessoal e de menos valia. É frequente, por parte da vítima, a sensação de que ao desvincular-se da relação abusiva pouco ou nada lhe restará e será incapaz de se recompor e reorganizar de modo autónomo. A expetativa de que o outro venha a mudar o seu comportamento é também muito frequente. Estas crenças vão muitas vezes sendo construídas com base na manipulação por parte do agressor no decorrer da relação, ainda que também existam muitos casos em que a vítima já traz consigo uma baixa autoestima e uma imagem pessoal pouco investida e pouco valorizada.


Pedir ajuda é sem dúvida essencial numa altura destas mas, infelizmente nem sempre é a opção da maior parte das pessoas que passa por isto... porquê?

MP: Infelizmente, o comportamento de pedir ajuda está condicionado por diversas questões. O primeiro obstáculo passa, precisamente, pela dificuldade em reconhecer a própria situação como abusiva e comprometedora do bem estar. Existe também o medo de represálias e a possível dependência, quer física, quer emocional e afetiva. O preconceito associado à procura de ajuda representa também, muitas vezes, um entrave por se acreditar que tudo se resolve entre o casal ou por se entender o mundo, ele próprio, como agressor, no qual dificilmente alguém conseguirá ajudar.


Que dicas pode deixar a quem nos lê para que, caso estejam a passar por isto, ou se um dia estiverem numa relação e detetarem alguns dos sinais acima referidos, consigam libertar- se e deixar para trás quem lhes faz mal?

MP: É importante perceber que embora não exista uma receita mágica com passos a seguir, existem elementos que são essenciais e transversais a toda a nossa vivência e que são a chave para procurarmos relações saudáveis, satisfatórias e gratificantes e outros dos quais nos devemos distanciar por representarem entraves a isso mesmo. Assim, se a relação em que estamos nos angustia a maior parte do tempo, se sentimos que para estarmos nessa relação temos que abdicar da nossa individualidade, objetivos pessoais, gostos, tempo e possibilidade de nos relacionarmos fora dessa relação, talvez seja o momento de refletirmos acerca dos benefícios e custos dessa situação. Estar numa relação nem sempre é fácil. Exige que nos coloquemos no lugar do outro. Contudo, o propósito é o crescimento conjunto, a complementaridade ao invés da busca por com o outro nos sentirmos completos. Quanto mais completos nos sentirmos como seres individuais, mais podemos contribuir para a felicidade conjunta e não o contrário.


Para finalizar, que meios é que as pessoas podem usar para pedir ajuda? Linhas de apoio, etc.

MP: Hoje estamos todos mais próximos e muitas vezes à distância de um clique. A psicoterapia pode ser muito útil na criação de recursos que permitam a saída de relações abusivas ou na prevenção do envolvimento nas mesmas. Existem também linhas de apoio. Deixo alguns exemplos:


- Rede Nacional de Gabinetes de Apoio à Vítima e Linha de Apoio à Vítima: 116 006 (chamada gratuita, dias úteis 09h-21h) ou www.apav.pt – apav.sede@apav.pt

- Linha telefónica de informação às vítimas de violência doméstica: gratuito, funciona pelo telefone, 24 horas por dia para apoiar vítimas de violência doméstica através do número 800 202 148. É um serviço anónimo e confidencial.

Não está sozinho/a!


Mais uma vez Dra. Marta muito obrigada por esta entrevista! Esperamos sinceramente que este tópico seja entendido de forma séria e não como uma “coisa normal”. Desejamos- lhe tudo de bom e um enorme sucesso!

MP: Agradeço-vos profundamente o convite para falar sobre este assunto que tanto atormenta a sociedade. Acredito que em conjunto e por meio destas iniciativas podemos construir uma sociedade mais atenta e de maior suporte e apoio. Muito obrigada! Votos de maior sucesso.


Conheça a Dra. Marta Pamol:

Se quiser entrar em contacto com a Dra. Marta ou acompanhar o seu trabalho deixamos- lhe aqui o seu Instagram: @martapamol_psicologaclinica






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