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"Gosto de pensar que uma palavra apenas é incapaz de definir quem sou, pois contenho “multitudes”!

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  • 27 de mar. de 2021
  • 9 min de leitura

Ambicioso, esforçado, lutador e consciente! São apenas algumas das imensas características que podíamos atribuir ao nosso convidado de hoje.

Guilherme Pelote, tem 22 anos é ator e escritor. Há quatro anos escreveu a peça “Um rapaz chamado Rupert partiu- te o nariz com um pau?” que foi representada em teatro e encontra-se disponível à venda nas livrarias.

Bom dia Guilherme, queremos começar esta entrevista por te agradecer a tua disponibilidade e por teres aceite o nosso convite e falares um pouco sobre a tua experiência.


Fala-nos um bocadinho sobre ti, quem é o Guilherme, o que é que te apaixona, quais são os teus hobbies…?

GP: Obrigado pelo convite. A cada dia que passa, procuro elucidações que respondam a essa pergunta, pois os maneirismos e forma de ser que me definem, estão em constante mutação e moldam-se perante as circunstâncias e pessoas que me rodeiam no dia a dia. E, portanto, se calhar a resposta é mesmo essa: que sou uma pessoa adaptável ao meio, por vezes inadaptada na face dos conflitos interiores e exteriores que se moldam comigo. E é aí que nasce a paixão pela arte, pela interação com pessoas que partilham da mesma sensibilidade, pela busca incessante de tentar compreender a sociedade em que vivo e o meu papel nela ; o que se conjuga na visualização de filmes, na leitura, na música, nas galerias de arte e, por fim, no gosto pela representação e pela escrita que têm o papel de virar um espelho (fragmentado, quase em estilhaços) contra a sociedade e refletirem-se nela através do conflito que o ser humano experiencia. Devo dizer que sou também apreciador de uma boa sobremesa. Essa será sempre uma certeza imutável.


Nasceste em Cascais, em 1998. Sabemos que desde pequeno que sempre te interessaste muito pelo mundo artístico, especialmente as artes teatrais. Como é que surgiu essa paixão?

GP: Não necessariamente pelas artes teatrais, mas sim pela arte do cinema, que foi o meu primeiro contacto consciente com o meio artístico. Cresci a ver filmes e apaixonei-me pela variedade de emoções presentes na figura de cada ator, pela capacidade de transformação que os tornavam diferentes em cada papel, mas únicos na sua singularidade. Outro mundo transparecia através de um pequeno retângulo direcionado na minha direção, enquanto estava no sofá da cave a absorver cada detalhe que, na minha opinião, tornava uma performance ímpar, provida de verdade. Lembro-me que filmes como o Cinema Paradiso, do Tornatore, o Magnólia, do Paul Thomas Anderson e o Taxi Driver, do Scorsese, foram alguns dos que me provocaram um efeito catártico, e contribuíram para a decisão de querer fazer parte do processo da criação de arte, através da representação. Suponho que desejo direcionar este tipo de experiências ao íntimo do público, experiências essas, que provoquem o mesmo efeito que se abateu sobre mim.


Fala- nos um bocadinho sobre o teu percurso escolar. Quando é que ingressaste na Escola Profissional de Teatro de Cascais?

GP: Ingressei na EPTC com quinze anos, em 2014, creio. Um mundo novo, dado que raramente tinha ido ao teatro e talvez, a única peça que tivesse lido fosse o Auto da Barca do Gil Vicente, no secundário. Na altura ingressei porque o meu pai disse-me que grandes atores de cinema principiaram as carreiras no teatro, e a EPTC era o curso profissional disponível com mais credibilidade (e também o mais perto de casa), logo após finalizar o 9º ano. Sem dúvida que o interesse pela representação se encontrava presente, mas corri um risco ao ingressar, pois, não posso afirmar que reverenciava a profissão. Citando um professor que me marcou na EPTC, “não se ama o que não se conhece e a vida aprende-se devagar”. Ora, e se afinal, após experienciar aulas de representação, descobrisse que apesar de ser um bom espectador (porque, entretanto, passei a ir ao teatro), o ato de o fazer em palco não me trazia felicidade? Felizmente, o interesse foi crescendo, fui aprofundando as minhas capacidades e evoluindo com o tempo, tal como a minha relação com o teatro também evoluiu.


Na Escola Profissional de Teatro tiveste a orientação de professores como o Carlos Avilez ou o dramaturgo Miguel Graça. Para um jovem ator que começava a criar uma carreira isso deve ter sido uma grande aprendizagem. Alguma vez sentiste algum tipo de inibição ou pelo contrário era a altura ideal para mostrar o teu talento e tirares as tuas dúvidas?

GP: Senti um misto de ambos, frequentemente. As aulas de representação são mais frutíferas quando arrebatamos o coração do peito e o oferecemos ao público e à contracena. No entanto, o atingimento deste ponto é um processo de constante descoberta e num meio escolar competitivo, onde a balança pende ora para “exibir” à frente de outros que não conhecemos, ora para “ser” a despeito de tudo, sem preconceitos, a luta entre o inibir e a evolução torna-se numa constante batalha. Contudo, com a confiança que se vai gerando com os colegas de turma e o leque de professores que dispõem de uma amálgama de recursos e métodos especializados nestas situações, ajudam a superar este obstáculo. Tive professores, a nível prático e teórico, que me ofereceram diversas ferramentas tangíveis no processo de definir a minha posição como artista, formular pontos de vista referentes ao mundo que nos rodeia, abordar um texto, analisar peças dramaturgicamente, desenvolver uma personagem, conhecer as funcionalidades e a história do teatro desde os seus primórdios...procedimentos que vão sendo absorvidos e partilhados em palco, num processo colaborativo.


Na tua prova de aptidão profissional contracenaste com o ator José Raposo, outro grande nome do teatro e da ficção do nosso país. Como é que foi a experiência?

GP: Desfrutei de todo o processo. Tive a oportunidade de representar Shakespeare na minha PAP, encenado pelo Carlos Avilez, um nome incontornável do teatro, rodeado de amigos, professores, atores profissionais, técnicos, num elenco encabeçado pelo José Raposo, um grandíssimo ator. Não me vou esquecer da energia que trouxe no primeiro ensaio de leitura quando começou a pronunciar as falas do Próspero, a personagem que interpretava. A entonação, dicção, ressonância e o instinto com que lia, deixou-me perplexo, pois o nível de profissionalismo e preparação que trazia era diferente do que estava acostumado. Para além do mais, parecia que o José fazia Shakespeare há anos e, no entanto, se não estou em erro, penso que era a primeira vez que o estava a representar em palco. Representar este tipo de linguagem é um desafio assustador, mas os grandes atores ajudam-se a si mesmos, auxiliando os outros a serem melhores.


O facto de contracenares com grandes nomes do nosso país faz com cresças mais enquanto ator? Sentes que ganhas mais bagagem e experiência?

GP: Penso que ganho experiência e bagagem ao contracenar com qualquer ator, desde que exista a vontade mútua em contar uma história. Tive uma professora que mencionou durante as aulas que ao fazermos o outro ator brilhar, nós mesmos seríamos melhores artistas. Tal ideia pareceu confusa de início, porque cresci num meio competitivo em que as ambições pelas notas finais se sobrepunham à aspiração de partilhar um processo. Apenas comecei realmente a entender o significado disto após partilhar o palco com atores de calibre (muitos deles colegas de escola, não confundir calibre com a reputação que lhe é acrescida) e, recentemente, ao ver a série dos Sopranos, onde a entreajuda e a generosidade entre os intérpretes elevam as cenas a um patamar de relevo. Este é um dos ensinamentos que procuro retirar das experiências artísticas em que me envolvo.


Em paralelo com a tua carreira de ator foste desenvolvendo outra das tuas paixões, a escrita. Esta paixão acabou por se tornar também numa carreira quando escreveste a peça “Um rapaz chamado Rupert partiu- te o nariz com um pau?”. Como é que foi o processo todo de escrever esta peça?

GP: A linguagem fascina-me. Especialmente a linguagem teatral que é provida de musicalidade, marcando o compasso de um texto comunicado no aqui e agora. Ler uma peça de cariz teatral assemelha-se ao folhear de uma partitura, onde o estilo de cada autor se reflete nessa pauta, flexível a diferentes estilos e ritmos. Conjugando esse interesse com conteúdo passível de ser contado a despeito de tudo, influenciado por conflitos interiores, referências artísticas, comportamentos que observamos, então surge uma janela de oportunidade para se começar a escrever. Na altura, com o futuro incerto, por entre audições para entrar numa escola em Inglaterra, um curso de representação às terças e quintas, e momentos de alguma incerteza e solidão, surgiu essa janela e, sem grandes perspetivas, comecei a escrevinhar os conflitos de uma relação num caderno. Apoiado pelas aulas de dramaturgia que tinha tido na EPTC e referências de grandes nomes da escrita, fui progredindo num processo demorado, mas terapêutico. No entanto, nunca julguei que o texto pudesse vir a ser publicado e representado.


Venceste um concurso para jovens autores lançado pelo TEC, em 2018, com essa mesma obra. Qual foi a sensação?

GP: De êxtase. Quase que perdi o avião de Inglaterra para Portugal para assistir à estreia, tinha-me metido acidentalmente no comboio errado (o que parece acontecer de forma regular), mas quando finalmente me sentei na plateia estava a precisar de um calmante, não sabia o que esperar, pois não pude estar presente nos ensaios. A sensação do desconhecido, do estar prestes a cair de um precipício é inerente a um artista. Este caos, ampliado a cem, momentos antes da estreia, experiencia-se pontualmente e é essencial para denotar que trilhámos um rumo entusiasmante, independentemente do resultado final. Quando a peça acabou, pensei que a oportunidade tinha surgido no momento certo, pelas mãos da escola que me formara, e que o espetáculo apresentado tinha sido feito com dedicação e trabalho árduo. Isto demonstra que o texto, apesar das limitações que evidencia, foi trabalhado com seriedade e que os intervenientes valorizaram o processo de ensaio. No final, senti que o público se relacionou com a visão do espetáculo, o que me fez sentir realizado.


“Um rapaz chamado Rupert partiu- te o nariz com um pau?” foi representada em teatro por atores conhecidos do público português, como Bárbara Branco e José Condessa. Para além disso o teu livro encontra- se à venda nas diversas livrarias. Como é que se reage a todos estes acontecimentos sendo um rapaz tão novo?

GP: É surreal cogitar que publiquei um livro aos dezoito anos, não tendo a ambição de querer ser escritor. Parece contraproducente, mas a criatividade surge quando estamos predispostos a recebê-la, num estado de serenidade, remetidos ao subconsciente e quando uma ideia nos atinge torna-se difícil segurá-la por muito tempo. Após o casamento de várias ideias resultantes num livro, senti orgulho pela coragem de ter partilhado um conjunto de conceitos pessoais, intrínsecos à minha perspetiva de ver o mundo, e de ter acrescentado um crédito ao currículo. De resto, quatro anos depois do “Rupert”, desejo partilhar outro conjunto de conceitos que, fruto da evolução e experiência adquirida, sejam mais impactantes que a peça anterior.


Terminaste o teu curso em Acting o ano passado, no Reino Unido. O que é que te levou a ires estudar para fora?

GP: Inglaterra possui uma tradição teatral reconhecida pelo mundo, tendo formado muitos atores que admiro (inclusive, portugueses!). Tinha curiosidade em aprofundar e desenvolver as minhas capacidades, experienciando o mesmo estilo de formação que esses atores receberam, depois de quatro anos de estudos em Portugal, divididos pela EPTC e John Frey Studio for Actors. Após muitas audições, tive a felicidade de ser aceite pela Guildford School of Acting.


Que sonhos e projetos ainda gostavas de desenvolver?

GP: Desejo construir uma carreira de ator e escritor em Portugal, provida de longevidade e repleta de histórias relevantes, criativas, íntimas, versáteis, que mereçam ser contadas, contracenando e criando com outros artistas que partilhem de uma visão semelhante. Se a oportunidade de trabalhar num projeto internacional que se enquadre nestes moldes surgir, seria fantástico. Encenar e dar aulas são duas vertentes que também gostaria de experimentar após acumular alguma experiência.


Se só pudesses escolher uma qual escolhias? Ator ou escritor?

GP: Sou incapaz de escolher apenas uma. Nos dias que correm a linha entre um ator e escritor atenua-se notavelmente. Não há dúvida de que são artes diferentes, mas podem, e estão a interligar-se no meio. Nas escolas de representação existem módulos onde um criador escreve um monólogo e depois representa-o, módulos onde o ator/escritor é responsável pela criação do próprio trabalho. Essa vertente estende-se pelo mundo artístico fora, tome-se o exemplo de Fleabag, um monólogo escrito e representado pela Phoebe Waller-Bridge no festival de teatro de Edimburgo, e que hoje é uma série de televisão galardoada. A Chewing Gum Dreams da Michaela Coel seguiu o mesmo destino transitando de peça representada pela autora, para uma sitcom de renome. Num mercado precário como o português, partilho essa ambição de criar o meu próprio trabalho, seguindo ambas as vertentes.



Para terminar, como é que descreves o Guilherme numa só palavra?

GP: O Bob Dylan escreveu uma canção intitulada, “I contain multitudes”. Seguindo essa linha de pensamento espelhada na letra: “I'm a man of contradictions, I'm a man of many moods, I contain multitudes”, gosto de pensar que uma palavra apenas é incapaz de definir quem sou, pois contenho “multitudes”.


Mais uma vez muito obrigada por esta conversa. Esperamos continuar a ver- te crescer e voar por esse mundo fora!


Continuem a acompanhar o trabalho e percurso incríveis do Guilherme através do seu Instagram: @guilherme_pelote

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